Direitos Humanos, Cultura e Economia
O Dilema da Classe Média

O Dilema da Classe Média

Em um reino distante, há alguns séculos em direção ao passado, um rei chamou seu conselheiro:

– Não posso mais cobrar impostos dos pobres. Se eu fizer isso, eles irão morrer de fome. Por outro lado, também não posso mais cobrar impostos dos ricos. Seu eu fizer isso, eles vão me tirar do poder.

Ao que o conselheiro respondeu:

– Majestade, vamos criar então a classe média. Serão aqueles que sonharão em ser ricos, mas ao mesmo tempo terão medo de se tornarem pobres.

Ao mesmo tempo em que se criou uma fonte inesgotável de impostos, que vem perdurando por séculos, o sábio conselheiro introduziu, sem saber, um novo modelo de incentivos, caracterizado por uma resultante de forças nula, que faz com que o indivíduo, orientado pela ilusão e pelo temor, permaneça onde está.

Mas, em determinado momento, algumas cabeças foram guilhotinadas e foi sendo introduzida aos poucos uma nova ideia: a tal “democracia”.

A nova classe média, empoderada pelo voto, vem cansando de ser de mantenedora solo da máquina fiscal. No entanto, o desejo de livrar de seu “carma”, não é, por si só, suficiente para se livrar da armadilha criada pelo antigo conselheiro.

Nesses novos tempos de democracia, com uma cabeça valendo um voto, os ricos, menos numerosos, passaram a ter que utilizar – cada vez mais – de ferramentas de persuasão e manipulação para proteger seus interesses. De início, a arma principal era o próprio poder econômico. Até que um outro sábio conselheiro criou o conceito de “pós-verdade”. Essa nova e poderosa arma, a desinformação (popularmente conhecida como “fake news”) foi lançada ao vento. E às redes.

O que se vê como resultado é uma concentração de renda sem precedentes, com impactos à classe média como desastres climáticos e aumento da violência urbana e rural em decorrência da desigualdade crescente.

Os pobres, por outro lado, numerosos em muitas democracias, passaram a ter voz. Deu-se início às políticas de inclusão e uma nova escada rolante, esta no sentido ascendente, passou a funcionar a todo vapor.

A classe média, não bastassem os impostos que já são pagos, viu alguns tipos de serviço dos quais fazia uso (como o doméstico, por exemplo) por meio de uma cultura trabalhista exploratória, subirem de valor.

As cotas sociais, outra vertente das políticas de inclusão, chegaram para dificultar o acesso da classe média a serviços gratuitos que são prestados pelos governos.

Um novo dilema, portanto, aflige desta vez não mais o “rei”, mas a parcela mais jovem de seus súditos: a classe média, que precisa decidir contra quem se insurgir para tentar dividir uma conta que há séculos paga sozinha.

Este dilema, talvez seja, mesmo que de forma inconsciente, o gatilho para tanta polarização nos tempos modernos.

Temas como imigração, taxação dos super-ricos, proteção ao meio ambiente e aos recursos naturais, redução da jornada de trabalho, combate à desinformação, papel do estado e outros, centrais na discussão política de muitos países, podem ter como pano de fundo invisível o novo dilema vivido pela classe média.

 

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